ALERP
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10/02/2025 20:49:56 | Por: Francisco de Assis Sousa | Visitas: 58
Imagem: Divulgação
Cheguei em Fortaleza na quinta-feira, dois dias antes do show que aconteceria no sábado, na Arena Castelão. Ir na capital do Ceará e não se molhar no mar da Praia do Futuro e não colocar os olhos em Iracema com seu arco encurvado em bronze, soa como uma existência sem o testemunho das próprias retinas. A sexta-feira todinha foi dedicada aos caminhos de Jericoacoara e suas águas azuis e de mar revoltoso. Mas o foco era os irmãos baianos de cabelos prateados brotados em Santo Amaro da Purificação, no ventre de D. Canô determinados por Seu Zeca.
A primeira e única vez que Caetano Veloso e Maria Bethânia se apresentaram em turnê juntos foi em 1978. Fazia muito tempo e assisti-los seria a realização de dois planos com uma só cajadada. Quando no caminho avistei o Castelão iluminado passeou na minha cabeça a canção “Sampa” em quase sua totalidade: “Alguma coisa acontece no meu coração/que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João/é que quando eu cheguei por aqui, eu nada entendi/da pura poesia concreta de tuas esquinas/da deselegância discreta de tuas meninas...”. Eu sabia que esta não estava no repertório, porém, são essas coisas que sopram nas nossas narinas. Também me veio alguns versos de “Queixa”, outra também fora da lista do show: “Um amor assim delicado/você pega e despreza/não devia ter despertado/ajoelha e não reza...”, e assim desembarquei e fui buscar o portão de entrada.
- Pista, é por alí!, orientou um rapaz com a camiseta da organização. Ao tempo em que meus pés se aproximavam do gramado, o meu olhar me buscava. Isso mesmo, me buscava na concretude da realidade, enquanto o corpo em suor escorria no enrosco com tanta gente. – Vamos chegar mais pra frente?! E o palco se apresentava mais presente, mais palco, mais Caetano, mais Bethânia, até que os dois apareceram de mãos dadas, gigantes na história e nos telões, e a noitada tropical se iniciou. “Caminhando contra o vento/sem lenço, sem documento/no sol de quase dezembro/eu vou...” Na sequência, a potência vocal de Bethânia explodiu em: “o Sol nas bancas de revista/me enche de alegria e preguiça/quem ler tanta notícia?”
Os clássicos foram se mostrando: “Os Mais Doces Bárbaros”, “Gente”, a cintilante “Oração do Tempo”, “Filhos de Ghandi”, “Tropicália” e, de repente: “Eu brasileiro confesso/minha culpa, meu pecado/Meu sonho desesperado/Meu bem guardado segredo”, e veio o refrão: “Aqui é o fim do mundo/Aqui é o fim do mundo/Aqui é o fim do mundo/Ah”, Torquato Neto estava no palco numa música de Gilberto Gil. Depois veio a majestosa “Um índio”, mas Torquato Neto ainda estava vivo. E bem vivo, bem nordestino. O arranjador de “Cajuína” decidiu introduzir a canção-bela com um forró corrido para depois assentar a poeira num leve: “Existirmos, a que será que se destina?/Pois quando tu me deste a rosa pequenina/Vi que és um homem lindo e que se acaso a sina/Do menino infeliz não se nos ilumina/Tampouco turva-se a lágrima nordestina/Apenas a matéria vida era tão fina/E éramos olharmo-nos intacta retina/A cajuína cristalina em Teresina”.
Deste momento em diante, o copo da minha energia foi enchendo, enchendo, enchendo e borbulhando. Vieram as ditas para dançar de rosto colado: “Sozinho”, “Você Não me Ensinou a te Esquecer”, “Você é linda mais que demais...”, “Brincar de Viver”, “As Canções que Você Fez pra Mim”, as paradoxais “O Quereres” e “Reconvexo”, porém, o copo derramou quando pipocou:
Fé pra quem é forte/Fé pra quem é foda/Fé pra quem não foge a luta/Fé pra quem não perde o foco/Fé pra enfrentar esses filha da puta
A pancada de Iza, tão bem vivida por Caetano e Bethânia, fez de um show de musicas memoráveis e de olho na nossa história, um presente atitudinal com batucada, frenesi e ponta de espada encostada na garganta com gosto de sangue na boca. “Aquela estrela é dela/Vida, vento, vela, leva-me daqui”, de Belchior e Fagner, foi apenas uma forma singela de homenagear o cearense, porém, o recado já estava dado.
Francisco de Assis Sousa é professor, cronista e presidente da Academia de Letras da Região de Picos – ALERP.
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